Até que tocada pela própria atenção, Lucrécia passou a ver-se com dificuldade.
Lucrécia Neves não seria bela jamais. Tinha porém um excedente de beleza que não existe nas pessoas bonitas. Era basta a cabeleira onde pousava o chapéu fantástico; e tantos sinais negros espalhados na luz da pele davam-lhe um tom externo a ser tocado pelos dedos. Somente as sobrancelhas retas enobreciam o rosto, onde alguma coisa vulgar existia como sinal apenas sensível do futuro de sua alma estreita e profunda. Toda a sua natureza parecia não se ter revelado: era hábito seu inclinar-se falando às pessoas, de olhos entrefechados — parecia então, como o próprio subúrbio, animada por um acontecimento que não se desencadeava. A cara era inexpressiva a menos que um pensamento a fizesse hesitar.
Embora não fosse desta possibilidade de espírito e doçura que ela aproveitava: era o que havia de rígido num rosto que a moça, se preparando, acentuaria. E uma vez pronta — disfarçando-se com uma futilidade que não procurava salientar o corpo mas os enfeites — sua figura se ocultaria sob emblemas e símbolos, e na sua graça intensa a moça pareceria um retrato ideal de si mesma. O que não a alegrava — era um trabalho.
Inclinou-se de súbito para o espelho e procurou achar o modo de se ver mais bela, abriu a boca, olhou os dentes, fechou-a... Em breve, do olhar fixo, nascia afinal a maneira de não penetrar demais e de olhar em esforço delicado apenas a superfície — e de rapidamente não olhar mais. A moça olhou: as orelhas eram brancas entre os cabelos emaranhados de onde nascia um rosto que os sinais salpicados faziam estremecer — e sem se demorar, porque alcançaria demais ultrapassando: este era o modo de se ver mais bela!
Lucrécia sabe admirar a verdadeira beleza.
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