venerdì, ottobre 17, 2008

MI

O nome dela era Mi. Só isso. Duas letras bastaram ao pai no cartório. E não era gago. Gostava de "Mi" como de "Lucrécia", mas a mãe, morta no parto, não haveria de aprovar este último – que era como se chamava uma vizinha ruiva de dentes perfeitos, por quem qualquer homem facilmente se apaixonaria.
. Mi tinha uns olhos de kiwi. O bicho – não a fruta. Eram castanho-desbotados e, se observados com um cuidado que nunca em vida lhe dispensariam, pareciam cravejados de pêlos, todos penteados para a esquerda, como ordenados numa corrente eletromagnética.
. Há pessoas de poucas palavras, mas Mi era mais densa do que isso – ou mais simples -: o que lhe eram comedidos eram os gestos. Numa briga, limitava-se a morder o lábio superior – o que provocava risos indesejados, dada a ocasião, no objeto de sua fúria. No sujeito de sua fúria. Mesmo a fúria de Mi era peculiar: num arroubo, quebrava um lápis. E depois colava os pedaços – sem sucesso, naturalmente -, e os beijava e os punha debaixo do travesseiro. Também o amor de Mi, como se percebe, era castanho-desbotado.
. Mas era quinta-feira. E às quintas-feiras, na casa da família miúda da Rua Abagiba, jogava-se dominó e sorvia-se vinho - de um valor não exatamente risível, mas compatível com a renda do senhor pai de Mi. E também a menina bebia. Aos pouquinhos, como quem tateia com a colher uma sopa quente. Pelas beiradas. Devagarzinho.
. - "Sua vez" – gritava o velho. E Mi, sem pensar muito, exibia-lhe uma peça.
. Não guardava os carrilhões, mas também não os utilizava com nenhum critério. O que interessava a Mi era o momento de interação com o pai. Fartava-se de olhar o bigode, as sobrancelhas, as vibrissas brancas do seu último caco de família.
. As avós de Mi moravam longe. A materna, em Cuiabá – que, para Mi, era o lugar mais longínquo do globo terrestre -; a outra, duas ruas abaixo da dela, numa casa de que Mi não se lembrava. Viam-se um dia, a cada trezentos transcorridos, porque o senhor pai de Mi se aborrecia com os comentários da senhora.
. "Sua vez" – repetia ele, dois copos de vinho depois. "Sua vez, vamos...’
. A toalha da mesa era listrada. Para Mi, deveria ser quadriculada, como as dos restaurantes dos desenhos animados. A taça – que na verdade era um copo raso, que o pai não era disparatado a ponto de entregar-lhe nas mãos uma taça de cristal – manchava quatro listras e o espaço entre elas, num círculo perfeito. Como faziam para que os fundos dos copos tivessem aquele formato impecável? E Mi sorria, assombrada. Distraindo-se com o que lhe era dado, com o que a saleta lhe oferecia. Com os pêlos do pai, com o vinho. Ah, o vinho...
. Mi não contava ao pai, mas de vez em quando pensava na mãe. Havia fotos espalhadas por toda a casa, e por elas constatara que os olhos de kiwi tinham, pois, uma origem. Dona Margarida, a mãe, tinha olhos mortiços e maçãs do rosto saltadas. Bonita não seria ali e nem em Cuiabá – ria-se Mi. E golejava, já sem rodeios, o vinho.
. - "Pai, se o vinho fosse branco, a mancha não aparecia...", e deslizava o copo para um lado.
. O pai de Mi gostava dela. Via-se na obrigação de gostar dela, em verdade. Ninguém mais lhe passaria as camisas amarrotadas, ninguém perderia uma noite de quinta-feira sentada a uma mesa velha, com tanto acontecendo da porta para fora. Tinha, claro, de gostar da filha. E ela tinha umas mãozinhas tão bonitas, meu Deus...

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CI SIAMO QUATTRO. E LEGGIAMO ASSOLUTAMENTE TUTTO. DOPO TRE O QUATTRO MESI. E CINQUE O SEI BICCHIERI. DI VELENO.