domenica, settembre 16, 2007



PARTE II (ESTOU FAXINANDO O COMPUTADOR ALHEIO, QUANDO ENCONTRO ISTO...)


Eu nunca plantei quiuí. Na verdade, a única planta que medrou por obra minha foi um pezinho de feijão que viveu por menos de uma semana, acomodado num chumaço de algodão. À época, pareceu-me deliciosamente esclarecido o mistério da vida; com água e meia dúzia de feijões haveríamos todos de reflorestar o mundo. Ambas, fome e anemia estavam por fim contornadas.


Faces coradas aos homens de bom algodão. A decepção, todavia, não tardou a chegar. Minha criatura acanhou-se no peitoril da área de serviço e recolheu as folhas, desgostosa do copinho descartável espremendo-lhe as raízes. Nesse mesmo dia senti imensa identificação (traduza-se simpatia) com os babilônios.


Voltando ao quiuí, observo-o. Como pode uma fruta peluda e chata ocultar no avesso tamanho espetáculo? Como se não lhe bastasse o verde intenso, o quiuí adorna a própria polpa com uma ciranda de pontinhos muito escuros, aludindo à vista que se tem de uma janela de avião. Seriam uma roda de crianças sobre a relva, não fossem sementes.


Avanço ainda um pouco, nessas divagações botânico-existenciais: se forem mesmo sementes (muitas vezes a natureza faz das suas e troca o fruto pelo pseudo-fruto, provando-nos que nada é o que aparenta ser), e eu cismar de enterrá-las na minha jardineira, quantas vingarão? Quanta vida é capaz de brotar de um pedaço miúdo de fruta morta?


Em escala mais modesta, porém iguaLmente fascinante é a multiplicação das estrelas-do-mar. Se bem me recordo das minhas aulas do ginásio, cada parte mutilada desse animal dá origem a um outro, e o desfalcado regenera-se. Tudo constituindo um ciclo morte-vida-morte-vida sobre o qual nós, que nascemos e morremos uma única vez não exercemos controle.


Ainda outro dia um vento insistente forçou os atletas locais (raça de caminhantes de superquadra) a vestir seus casacos quando o sol ainda ia alto. Desconfiada do quiuí, hoje confabulo: o que se batizou de frente fria era só mais um pretexto da natureza para manter seu ciclo, para despetalar uma flor de um lado e polinizar a outra em recompensa; para carregar a semente que há de resultar em um fruto exatamente igual àquele da qual proveio.


O capricho da repetição de fenômenos também desenha –ainda que de forma muito particular- a existência humana. As limitações motoras de uma criança são semelhantes às experimentadas por um velho. A calvície, os dentes que faltam, a dependência física. Nascemos, crescemos, morremos, como o traçado de um triângulo. Da base ao vértice, e daí à base. O azedume do ciclo deve-se à lembrança do que já se teve –ou foi, da nostalgia da vitalidade, do repentino regresso à base.


Também são cíclicos os sentimentos. A paixão do amante rejeitado transfigura-se em ódio e daí em nova paixão. Chora-se de alegria, mas ri-se de nervoso; chora-se de nervoso e gargalha-se de contentamento. A receita do sossego –senão da felicidade- é compreender o sentido do ciclo. A todo mal sofrido sucede a bonança dos ditos populares, e a cada dia de glória corresponde um momento, pequeno que seja, de fracasso. A paciência em administrar o orgulho e o sofrimento resultantes do que Paulo Mendes Campos chamava de “grandes ocasiões” –as de dor e vaidade- é que dá sentido à eterna sucessão da vida.
24/06/2002

OFICINA DE TEXTO, EM 2002. QUANDO A GENTE GANHAVA NOTA PARA ESCREVER. QUE SAUDADE...




RELÍQUIA

Quebrou a única taça que restava no canto iluminado da sala. Quisera manchar os tapetes, arranhar o assoalho, mas determinou que uma pilha de estilhaços de cristal a aborreceria de imediato. Imaginava-a descalça, sangrando os pés inconsolável. As preciosas taças encerradas no movelzinho antigo desde que a família se havia mudado. O tesouro de um par de anos. A ruína do casamento reluzindo na esquina da sala, ela bem sabia. O marido evoluía diabólico, ferindo-a com gosto. Escolhera a pequena relíquia para vingar todas as discussões interrompidas, ocasiões em que não lhe fora dado vencer. Como se estudasse quieto, enquanto ela cozinhava, o ponto exato a atingir. E então disparava, expectante. Uma outra vez não lhe correspondera um sorriso, em jantar na casa de colegas da firma. E ele decerto compreendera o quanto ela carecia de um sorriso que a envolvesse como uma cortina naquele desconforto imenso. Sempre assim. Acompanhava-o como boa esposa, a esposa do gerente. E ele não lhe agradecia sequer pela pontualidade. Pelo nó na gravata que ela lhe ajeitava com mãos de prestidigitador. Sequer baixava a guarda, essa era a verdade. Não lhe mostrava os dentes solidário. Quebrava-lhe as taças, em vez disso. Agora essa.
Já passava do tempo de oficializarem o fim da união, mesmo porque nunca haviam sido unidos de fato. Ele, quando universitário, transitando entre os vizinhos no alojamento sentira-se, sim, parte de um grupo. Àquela época. Casado com ela, não passava de uma fonte de renda. O outro prato na mesa, que ela servia com a sua mão ornada pela aliança. À própria mãe ele não pagava um vestido, mas como noivo tivera de vasculhar a cidade atrás de um par de alianças “não muito finas e, achando, por que não foscas”. Vestir o dedo de uma estranha sob os olhos dos parentes distantes, empoleirados em bancos de igreja. Quantas vezes na vida havia procurado um alfaiate? A cerimônia toda era um pretexto para ridicularizá-lo, como ridicularizam as crianças. (As tias sempre comentam os maus cortes das crianças com um entusiasmo estarrecedor.)
A própria convivência por trás das portas bem-lixadas que o sogro lhe deixara de regalo o feria embaraçosamente. Haviam, como o casal que lhes cabia ser, alugado uma rotina. Pouco sal nas refeições, noticiário no intervalo do almoço e economia nas contas de gás e luz. Visitavam os dois casais de velhos uma noite ao mês, já contabilizando o combustível. Uma única viagem e cumpriam as formalidades de filhos casados. Quantos minutos lhe bastassem (a ela) para discorrer sobre o constrangimento das entrevistas para emprego. Nessas ocasiões ele escutava a esposa placidamente, enquanto se imaginava, a si mesmo, encaixado numa roleta de ônibus qualquer, respirando miúdo no fim do expediente. Encolhido. Tão imenso, meu Deus, mas para quê? Para encontrá-la ao girar a maçaneta, de luzes acesas, rindo dos comerciais de televisão. Havia tanto que ela não saberia abarcar com os bracinhos descarnados de quem rastreia taças.
Pois agora sequer as taças lhe haviam deixado. Como se lhe houvessem tirado inclusive o papel do doce. Nos anos de tédio e discreta depressão, tudo o que ela havia conseguido colecionar estava pulverizado. Escorada no sofazinho ela suspirava. Pensava nas janelas intocadas. Por que não lhe quebrava as janelas, o demônio. Por que a desprezava até a luminosa hora de talhar-lhe da rotina a farpa de felicidade irreparável. Pensava nos erros que se cometem. Na casa da mãe, sempre tão fresquinha e nas unhas do marido. Ria, agora. Não se lembrava das unhas do marido. Criava um cavalo no apartamento, como dissera certa vez a uma amiga com quem já não tinha mais contato. Alimenta-se um animal, exibe-lhe as fuças às visitas, mas o orgulho (quando não o sossego) de possuí-lo não pode ser tomado por afeição. Ela não gostava do marido. Ela o tinha. Não o conhecia, tampouco pelas mãos. Não sabia interpretar-lhe um gesto, talvez por isso as tempestuosas discussões. Quem sabe ele não lhe suplicasse, com um franzir de testa, para que ela os poupasse, a ambos, de tantas observações. Se ela o soubesse... O que teriam evitado e por quanto tempo...


Ajeitou a franja do sofá, pusilânime. Atestava o próprio fracasso. Teria de vê-lo. Se preciso fosse, fitá-lo-ia sobre a travessa de arroz, interrompendo o jantar. Faria tudo como se deve,
escutando quaisquer desculpas. Se pudesse resgatar o casamento, melhor. Mas que não a acusassem de injustiça. Correu ao quarto, procurar uma mala que sabia ter. Queria manter aquilo tudo, agora ciente dos riscos do fim, mas parte dela se entusiasmava com uma possível separação. O marido abrira-lhe muito pouco uma janela, o suficiente, no entanto, para secar-lhe a garganta – assim enxergava o incidente das taças. Como uma fresta. Esperá-lo-ia com duas mudas de roupa bem-dobradas, resoluta e decente.


06/09/2001.






giovedì, settembre 13, 2007

Que a saudade é o pior tormento(...) É pior do que se entrevarOh, pedaço de mim(...) Que a saudade dói latejadaÉ assim como uma fisgadaNo membro que já perdiOh, pedaço de mim(...) Que a saudade é o pior castigoE eu não quero levar comigoA mortalha do amor... ENGRAÇADO. POR TANTAS VEZES CHEGUEI À CONSTATAÇÃO DE QUE SENTIMENTO NENHUM TRAUMATIZA MAIS DO QUE A SAUDADE... MAS PENSAVA, ANOS ANTES, QUE O REMORSO FOSSE MAIS DANOSO, QUE ESTILHAÇASSE MAIS. EQUÍVOCO ABSOLUTO. SAUDADE FERE IRREMEDIAVELMENTE PORQUE, COMO COSTUMO DIZER, REMETE A ALGO FATALMENTE FINDO. IRRESTITUÍVEL. AGRADEÇO DIARIAMENTE A DEUS POR NÃO A TER. PREFIRO AFLIÇÃO, IRA, TRISTEZA. SAUDADE, NÃO.

domenica, settembre 09, 2007

CAROLINA


ERA UMA QUARTA-FEIRA, E EU ME SENTI PRECISAMENTE COMO A CLARISSA (I remember one morning getting up at dawn, there was such a sense of possibility. You know, that feeling? And I remember thinking to myself: So, this is the beginning of happiness. This is where it starts. And of course there will always be more. It never occurred to me it wasn't the beginning. It was happiness. It was the moment. Right then.), DIANTE DE SEI LÁ QUE JANELA, SORVENDO SEI LÁ QUE LÍQUIDO. SÓ SEI QUE NÃO ESTAVA ENTREVADA, COMO NA SEMANA PASSADA, E QUE NADA ME DOÍA. E QUE EU TIVE O ÍMPETO DE ATIRAR MARGARIDAS AOS TRANSEUNTES. MAS MINHA ALEGRIA É QUEBRADIÇA, NO MAIS DAS VEZES, E NO DIA SEGUINTE JÁ SE ENSOMBROU SOBRE ELA UMA ANGÚSTIA DEVASSA, ESCANDALOSA E ARREBATADORA. E O QUE PARECIA FELICIDADE DISSOLVEU-SE COMO UMA GOTA DE CAFÉ NUMA JARRA IMENSA DE ÁGUA. E HOJE EU ME LEVANTEI ASSIM. QUERENDO BATIZAR MEU SEGUNDO GATO DE PERCIVAL.

sabato, settembre 01, 2007

ESTOU ME PREPARANDO PARA DIZÊ-LAS TODAS, A CAMINHO DE CASA, NUMA ALEGRIA PUNGENTE:
Perdi o jeito de sofrer. Ora essa. Não sinto mais aquele gosto cabotino da tristeza.
*
– Por que me matais? – Como! Não habitais do outro lado da água? Meu amigo, se morásseis deste lado, eu seria um assassino, seria injusto matar-vos desta maneira; mas, desde que residis do outro lado, sou um bravo, e isso é justo.
FALTA-ME MÊS ATÉ QUE ESSE TORMENTO TERMINE. E ATÉ LÁ, VOU ME AVEZANDO MAIS QUE À TRISTEZA, À DESESPERANÇA. E ACORDO COM DORES NO PESCOÇO E NAS TÊMPORAS. E TENHO PESADELOS, TODOS SOBRE PERSEGUIÇÕES. O LIMO DO POÇO NÃO ME AGRADA, E EU DEIXEI DE ACHAR TANTA COISA BONITA...